UM DIA EM HOI AN
(Texto com 13 anos)
Sete Horas da manhã. Uma viagem nocturna de dez desconfortáveis horas. Um autocarro que já viu melhores dias. E assim chegamos a Hoi An, uma pequena cidade na costa do Vietname.
A cidade ainda dorme. O rio que a banha está tranquilo, alguns barcos de madeira navegam nas suas águas. Algumas bicicletas nas suas ruas, algumas mulheres com os seus chapéus em cone. Mas ainda se ouve o silêncio. Numa primeira impressão, a cidade parou no tempo, transmitindo-nos essa agradável sensação de termos recuado na história, de o Vietname de hoje ainda estar para chegar.
Com o comércio na sua maioria ainda fechado, sentamo-nos num delicioso café. Continuamos algures no passado, num qualquer cenário d'O amante de Marguerite Duras, com a sua decoração tão colonial, combinando harmoniosamente paredes amarelas, cadeiras de bamboo, charme francês adaptado ao encanto asiático.
Do bar do terraço contemplamos a arquitectura de outros tempos, as casas com portadas de madeira, as suas cores desgastadas pelo tempo mas ainda vivas, os transeuntes, o rio, os chapéus em cone que conversam entre si.
O menu, com os seus capucinos e sofisticada pastelaria de influência francesa, traz-nos o primeiro contacto com a realidade.
E quando descemos, apercebemo-nos que a Indochina sobrevive apenas e literalmente em algumas fachadas de Hoi An. Ainda assim, absolutamente encantadora, repleta de charme, digna do seu título de património mundial da UNESCO.
Mas o comércio tradicional, fosse ele qual fosse, foi substituído por lojas de souvenirs, alfaiates, lojas de candeeiros de papel, pauzinhos, cafés charmosos ou simplesmente ocidentalizados, lençóis de seda, sapatarias para sapatos à medida, artistas que pintam a vida local ou um qualquer outro tema susceptível de agradar ao turista, carteiras de algodão e mais, muitos mais, alfaiates...
E o silêncio da cidade adormecida foi substituído pelos barulhos que caracterizam tantos outros locais no Vietname: as buzinas, as motas (em algumas ruas do centro histórico de Hoi An é proibida a circulação de carros), a corneta que anuncia um qualquer vendedor de rua (os gelados), as frases de assédio (infelizmente o termo adequa-se à realidade) ao turista: “what´s your name, where do you come from?”, seguido do inevitável "Do you want to come to my clothes shop?". E ainda outras expressões como "motorbike", "Remember me?", "If you buy, you buy from me?", "same same but different (expressão transversal a todo o Sudeste Asiático...) …
E ainda assim, Hoi An delicia... poucas horas são suficientes para percorrermos o conjunto de quarteirões que constituem o seu centro histórico. Paga a entrada no mesmo, cerca de cinquenta mil Dongs destinados à conservação do património local, recebemos um bilhete que nos dá a escolher a entrada em alguns dos monumentos que nos contam a história da cidade.
Meia dúzia de ruas, e entre pagodes e templos, túmulos e capelas familiares para homenagear antepassados, pontes e casas, passeamos ora pela influência chinesa (uma percentagem considerável da população é de etnia chinesa), através das inúmeras assembleias locais pertencentes a diferentes congregações, e que constituíam locais de encontro da comunidade; ora pela influência nipónica, através da ponte coberta japonesa, de interior cor-de-rosa, fruto dos tempos em que também o Japão andou por estas bandas na busca de seda; ora pela influência francesa, que aquando do seu domínio na região, usou Hoi An como centro administrativo. E todos estes vestígios sobreviveram quase intactos à guerra do Vietname.
Deste passeio destacam-se em particular algumas casas-museu (a Phung Hung Old House, actualmente uma livraria, e a Tan Ky House são das mais interessantes) nas quais, por uma pequena contribuição, um dos familiares (ou não) presentes proporciona uma agradável visita guiada pela casa e respectiva história. E como em tantas casas nesta pequena cidade, onde é notória a influência chinesa e japonesa, encantam os pátios interiores descobertos, que funcionavam como divisória entre a parte pública da casa, dedicada ao comércio, e a parte privada, para habitação. Ainda como parte deste percurso histórico, uma visita (ou dormida) a uma Ancient House (Minh A, na rua ao lado do antigo mercado), uma espécie de pensão do passado, é uma peça fundamental deste filme antigo.
E assim viajamos pela história de Hoi An, numa outra época, desde o do Século XVII, em que Faifo, como era conhecida a cidade, era um dos mais importantes portos internacionais do Sudeste Asiático. Por aqui passavam cidadãos de todo o mundo, entre os quais Portugueses, na busca dos inúmeros produtos que aqui se encontravam: seda, tecidos, chá, porcelana, pimenta, madrepérola, entre muitos outros. E só no fim do século XIX, porque a natureza do rio Thu Bon assim o ditou, é que o protagonismo deste centro comercial e portuário passou a ser assumido pela cidade vizinha de Danang, deixando Hoi An entregue a uma pacata existência à beira-rio.
E porque este olhar sobre a história é intenso mas curto, sobra tempo e é impreterível parar num alfaiate para renovar o guarda-roupa! Vinte e quatro horas e uma dúzia de dólares é o necessário para fazer uma cópia dos últimos modelos dos mais prestigiados estilistas, em qualquer tecido, em qualquer tipo de seda proveniente de uma origem à escolha do Sudeste Asiático!
Dizem as más-línguas que os inúmeros alfaiates da cidade dão vazão às suas encomendas na mesma costureira… mas, pelo sim pelo não, o ideal é dar azo à sua veia consumista bem longe do mercado de roupa. Não é tarefa fácil face aos inúmeros “locais” que se dirigirem ao pacato turista tentando convencê-lo a ir conhecer a loja do tio, da tia, da avó, da mãe, o que se lembrarem no momento… Mas a probabilidade de ser mal servido a um preço bastante superior é maior!
E depois de uma extenuante manhã, nada melhor que fazer como os locais, almoçar no Wan Lu e devorar as iguarias lá do sítio: crepes vietnamitas, o típico Cao Lau (uma sopa com massa gorda acompanhada de rebentos de soja e outros verdes, fatias de porco e, mesmo antes de servida, envolvida em papel de arroz crocante), e “white rose”, um elegante prato com camarão envolto em papel de arroz.
E como se não bastasse este regresso ao passado, um agradável e curto passeio de bicicleta alugada leva-nos, por campos de arroz, à simpática praia de Cua Dai. Não se poderá dizer que nos espera uma tarde de sossego… longe disso! A cada segundo o assédio! Pedicure, manicure, foot massage, bugigangas, aperitivos, bebidas… Mas se tiver a capacidade de se abstrair, poderá até ter uma tarde bem passada!
E o fim de tarde perfeito, na estrada de regresso a casa, naquele café de bamboo branco situado entre a estrada e as águas do rio, em que nos deliciamos por um lado com as tonalidades do pôr-do-sol combinado com o verde de palmeiras; e do outro, uma onda branca de dezenas de bicicletas transportam as suas estudantes vestindo o seu tradicional “ao dai” ao fim de um dia de escola. Tudo ao sabor de um batido de fruta.
E para encerrar o dia, lá pelas 19 horas, o jantar e algo mais: uma aula de culinária no Café 96 em que, pela módica quantia de 3USD, se acompanha o divertido chefe e dono do restaurante na confecção daquele que será o jantar da noite. Aos mais preguiçosos (mais que justo em férias…) fica a sugestão de que se fiquem por aqui ou pelo restaurante Mermaid (onde também pode aprender a cozinhar) onde se podem deliciar com uma excelente oferta de comida Vietnamita.
Pelas dez horas a cidade já se recolheu. E está de volta a pacatez que caracterizou o seu amanhecer. E assim recolhemonos nós também com a sensação de termos vivido um dia dentro de um sonho em que éramos espectadores de uma outra cultura, num tempo diferente do nosso. Talvez no cenário de um filme.
P.S A fotografia não é de Hoi An (essas andam desaparecidas) mas sim do Norte do Vietnam
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